Muitos Homens Pretos
- Bira Azevedo
- 26 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de jun.

As temáticas que contei que foram exploradas na jornada, seguiram e seguem pulsando fortemente em mim.
Olá gente querida ai do outro lado. Aqui, Bira Azevedo. Me imagine ai: sou um homem negro de Salvador, mais exatamente do bairro de cajazeiras 5. Lá cresci e lá me fiz gente. Tenho cabelos black power, que estão diminuindo aos poucos, muito por conta dos 40 anos que estão chegando no próximo mês de outubro. 1,74 cm, 85 quilos, óculos arredondados. Moro com meu companheiro há quatro anos. Prazer. Com frequência iremos nos encontrar por aqui e é bom ter ideia, imaginar com quem você estará tecendo reflexões, né? Como bom filho de Salvador, sou um cara bom de papo, filosofias e histórias. Nessa minha vocação, virei artista e educador, vivo das duas coisas até hoje e atualmente (nos últimos 12 anos, na verdade) moro em São Paulo.
Para a conversa de hoje, eu decidi compartilhar com vocês como e porque sou um dos homens aqui que colaboram com o Positivar Masculinidades. Para contar essa história, eu vou falar sobre algo poderoso que aconteceu no ano passado. Agora em setembro, faz exatamente um ano que realizamos em Salvador um evento chamado “Uma Jornada com 3 Homens Pretos: Trauma, Ritual e a Promessa do Monstruoso”. O encontro fazia parte de uma jornada que envolvia outras duas etapas fora do Brasil, uma que já havia acontecido dois meses antes, em Los Angeles, nos Estados Unidos e uma outra que ainda iria acontecer dali dois meses, em Gana, na África. Estávamos percorrendo uma diáspora ao contrário, tendo três homens pretos como orientadores desta jornada: O nigeriano Bayo Akomolafe, o guianês Orland Bishop e o estadunidense Resmaa Menakem. Cada um deles nos apresentava um das dimensões da jornada, cruzando a vivência com histórias, práticas corporais, conversas e processos coletivos, olhando com atenção, carinho e coragem para nós, para os homens pretos.
Resmaa nos aproximava da dimensão do trauma. A memória dos nossos corpos, que trazem sabedorias e traumas dos nossos ancestrais. Como acessar, praticar cura individual e coletiva para avançarmos? Não é uma cura somente individual porque a dor, o trauma também é coletivo. Como podemos nos curar coletivamente?
Orland nos fazia passear pela dimensão da ancestralidade, que convoca nossa sabedoria coletiva, nossos códigos, nossas espiritualidades, nossos saberes e valores de vida. Como podemos honrar e dar sequência a este legado? O que está sendo convocado de nós homens pretos que estamos aqui agora?
Bayo nos trazia uma constatação do presente e uma perspectiva para o futuro. Homens pretos hoje representam a figura da monstruosidade, do perigoso, do ameaçador. Homens pretos representados como os monstros do mundo. E sim, todo monstro em sua jornada, traz consigo uma promessa. Qual a promessa do monstruoso homem preto? Qual o nosso futuro? Qual a novidade, qual presente de vida os homens pretos podem trazer para a humanidade? Cada um de nós e todos nós.
Em Salvador começamos nossa vivência passando pela Pedra de Xangô, pelo Terreiro Ilé Áse ìyá Nassô Oka (Casa Branca) e pelo Quilombo Kaonge, em Cachoeira. Na sequência tivemos dois dias de eventos públicos, contando com uma sexta-feira exclusiva para homens pretos, com um profundo processo de trocas, reflexões, arte, cura e ritual, realizado no Museu de Arte Moderna (MAM). Junto aos três homens pretos, estavam conosco os artistas Dão Black, Lucas Matos, Marcos Costa, Mauro Neri, Bira Monteiro, Gilberto Santiago, Léo de Jesus e um grupo de mais de 60 homens negros de diferentes idades, lugares, contextos sociais e orientações sexuais. No segundo dia, ampliando a conversa, chegaram também as mulheres negras e lá na Senzala do Barro Preto, no Curuzu, aprendemos, dançamos, comemos e festejamos mais um dia. Tivemos as preciosas presenças de Ebomi Cici de Oxalá, as três mulheres pretas convidadas Carla Akotirene, Marizelha Lopes (Nega) e Valdecir Nascimento, e a artista e professora Marilza Oliveira. Terminamos o dia com os tambores do Ilê encerrando a jornada.
Ainda hoje sinto os ecos da potência daqueles dias em Salvador. Imagino que se, eventualmente, você leitor(a) participou também desta jornada, você compartilha comigo desta memória de dias onde as nossas conexões e potencialidades afloraram. Um ano depois, aqui neste texto rememorando e celebrando a jornada com vocês, me pergunto quais frutos são gerados e permanecem em nós em experiências como essa?
Para contextualizar os convidados estrangeiros em relação a realidade da população negra baiana e brasileira, realizamos um jantar com algumas pessoas de Salvador que estão inseridas nos debates e práticas relacionadas à raça. Entre os convidados estava Tiago Azeviche, criador do Positivar Masculinidades. E aqui eu volto para o ponto onde começamos, tecendo a teia desta história. MInha tarefa era coordenar a jornada no Brasil e por isso, alguns meses antes já estava procurando por homens negros que estivessem dialogando sobre as nossas masculinidades e negritudes. Nasceu a conexão com o Tiago. Esta relação vem sendo tecida desde então e agora conecta-se também com os caminhos de vocês.
As temáticas que contei que foram exploradas na jornada, seguiram e seguem pulsando fortemente em mim. Nas próximas oportunidades, nos próximos textos, vamos passear com um pouco mais de calma nesses diversos temas e perguntas, além de tantos outros que relacionam-se diretamente com a aventura de ser um corpo masculino preto neste mundo.
Axé pra nós.
Prazer em conectar.
Seguimos!
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